1 Introdução
O objetivo do presente artigo é abordar o problema do abuso do direito de defesa no processo civil brasileiro, no qual embora haja muitos meios de defesa e recursos cabíveis, muitos são manejados com intuito meramente protelatórios, ocasionando o atraso na resolução definitiva do conflito e o assoberbamento do Poder Judiciário.
Justifica-se o presente estudo, pois o manejo do direito de defesa com intenção única e exclusiva de protelar o andamento do processo, embora vedado no ordenamento jurídico, tem ocorrido e aumentado a morosidade do Poder Judiciário, eis que as decisões, principalmente as de segunda instância, não tem sido proferidas em atenção ao princípio da duração razoável do processo, em razão da sobrecarga de recurso interpostos.
O Poder Judiciário, por sua vez, tem demonstrado grande resistência em coibir o abuso de direito de defesa, deixando de reconhecer a litigância de má-fé e aplicar seus efeitos, resultando em uma leve impressão de “impunidade” dos litigantes de má-fé e fomentando tal prática, cada vez mais reiterada nos tribunais.
A elaboração do presente estudo foi baseada nos dispositivos legais acerca do assunto, contidos na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, bem como na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim, o objetivo do presente é contribuir para a melhor aplicação do instituto da litigância de má-fé nos casos em que se constata o intuito meramente protelatório nos meios de defesa, de modo a dar maior celeridade às resoluções definitivas dos litígios, cumprindo o princípio constitucional da duração razoável do processo.
2 o direito de defesa E SUAS LIMITAÇÕES
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, traz em seu artigo 5º os direitos e deveres individuais e coletivos, dentre eles:
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.
(...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Nota-se que os dispositivos acima, trazidos pela Constituição Federal como cláusula pétreas, asseguram o direito de ação, bem como o direito de defesa, de forma geral.
Por sua vez, o Código de Processo Civil, ao tratar especificamente do direito de defesa nos processos civis, assegura, nos processos de conhecimento em primeira instância, o direito de ofertar contestação (art. 335), na qual incumbe ao réu alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir (art. 336), podendo suscitar ainda eventuais preliminares que ocasionem a extinção do feito (art. 337).
Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
(...)
Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
I - inexistência ou nulidade da citação;
II - incompetência absoluta e relativa;
III - incorreção do valor da causa;
IV - inépcia da petição inicial;
V - perempção;
VI - litispendência;
VII - coisa julgada;
VIII - conexão;
IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou
falta de autorização;
X - convenção de arbitragem;
XI - ausência de legitimidade ou de interesse processual;
XII - falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;
XIII - indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.
Assegura ainda o Código de Processo Civil o direito de defesa em fase de cumprimento de sentença, onde os executados poderão apresentar impugnação, onde poderá alegar as matérias elencadas nos incisos contidos no parágrafo 1º, do art. 525.
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
§ 1o Na impugnação, o executado poderá alegar:
I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II - ilegitimidade de parte;
III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV - penhora incorreta ou avaliação errônea;
V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
Ainda, nos processos de execução, o referido diploma legal assegura ao executado o direito de defesa por meio dos embargos à execução (art. 914 e seguintes), elencando as matérias que poderão ser alegadas no manejo da referida defesa (art. 917 e incisos).
Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
(...)
Art. 917. Nos embargos à execução, o executado poderá alegar:
I - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
II - penhora incorreta ou avaliação errônea;
III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;
V - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VI - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.
Além dos dispositivos supracitados, o Código de Processo Civil enumera vários outros dispositivos acerca do direito de defesa, ao dispor especificamente de determinadas ações de procedimentos especiais (ação de consignação em pagamento, ação de exigir contas, ações possessórias, dissolução de sociedade, inventário e partilha, ação monitória, dentre outras), tudo em respeito ao princípio do contraditório.
Pela simples leitura dos mencionados dispositivos legais, nota-se que o legislador cuidou de assegurar devidamente o direito de defesa aos demandados, nos termos da constituição federal, porém, limitou o referido direito ao elencar quais as matérias que poderiam ser argüidas em cada caso, deixando claro que a mera impugnação genérica não será admitida.
Assim reza o art. 341 do referido diploma legal, que dispõe in verbis:
Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:
(...)
Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.
Ao apresentarem defesas, os litigados ainda devem observas os deveres das partes e seus procuradores, elencados no art. 77, que determina que estes devem expor os fatos em juízo conforme a verdade, sendo vedado apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento, bem como produzir provas e praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito, dentre outros.
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
O direito de defesa deve ser, portanto, exercido nas medidas elencadas no ordenamento jurídico, sendo vedadas as impugnações genéricas, as quais somente são permitidas ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial (art. 341, parágrafo único).
Sendo o processo, por sua índole, eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele faltando ao dever de verdade, agindo deslealmente e empregando artifícios fraudulentos. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2010. P.77).
2.1 O abuso do direito de defesa
No entanto, não é raro nos depararmos com defesas que não preenchem nenhum dos requisitos legais, contendo alegações genéricas e infundadas, as quais são recebidas normalmente e reapreciadas em sede de recurso.
Tais fatos acontecem corriqueiramente, principalmente em ações propostas em face de instituições bancárias ou de empresas de telefonia, as quais possuem modelos padronizados de defesas judiciais trazendo, inclusive, fatos estranhos a lide em suas peças defensivas ou recursais.
No entanto, tais defesas e recursos são recebidos normalmente como tal e apreciados, bem como submetido ao duplo grau de jurisdição, acarretando o prolongamento do trâmite processual, que poderia ser abreviado em razão do descumprimento dos requisitos legais pelas partes.
O problema ora suscitado parece ainda maior em sede de recurso, posto que é comum se deparar com recursos que não apontam qualquer erro de julgamento ou de procedimento, reiterando apenas os argumentos já exposto em sede de contestação e já apreciados e delineados pelo Magistrado de primeira instância.
É cediço que a Constituição Federal consagrou, embora de forma implícita, o princípio do duplo grau de jurisdição, assegurando aos litigantes o direito de revisão da decisão judicial proferida em primeira grau de jurisdição, porém, assim como na defesa, o recurso deve ser interposto em observância aos limites legais.
Porém, tal realidade precisa ser mudada no Poder Judiciário, sendo crucial aos patronos dos autores da ação, em casos de defesas infundadas, suscitarem tal fato e aos Magistrados apurarem e punirem tal ato com as sanções que a legislação prevê.
Por vezes pode não ser possível a constatação da má-fé, devido a sua subjetividade, porém, em se tratando de defesas genéricas e recursos infundados, no primeiro caso é possível o reconhecimento dos fatos narrados na petição inicial como verdadeiros e o julgamento antecipado da lide e, no segundo caso, o não conhecimento do recurso, negando-se seguimento, o que atenderia perfeitamente os princípios do devido processo legal e da duração razoável do processo, sem infligir o princípio do contraditório, na medida em que foi dada a oportunidade de defesa e recurso, no entanto, a parte não cumpriu os requisitos legais ao manejar tais peças, ônus que lhe incumbia.
Ademais, o Novo Código de Processo Civil deu amplo poder ao Magistrado para prevenir e reprimir os atos atentatórios à dignidade de justiça e indeferir postulações manifestamente protelatórias, consoante se denota do dispositivo abaixo descrito:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela duração razoável do processo;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI - dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
VII - exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.
3 O PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL
Em observância ao dever geral de boa-fé, norma fundamental no Novo Código de Processo Civil, o artigo 77 e seguintes impõem o dever de probidade e lealdade processual às partes e seus procuradores, assim como a todos aqueles que participam do processo.
Compete àquele que praticar ato processual agir com lealdade e boa-fé, comportando-se nos limites da ética e da moralidade, sob pena de sofrer as sanções previstas ao litigante de má-fé.
O objetivo da referida norma jurídica é excluir dos processos judiciais os atos desleais, infundados, protelatórios e desonestos.
Conforme leciona o doutrinador:
A realidade do processo é a de um combate para o qual a lei municia as partes de certas armas legítimas e de uso legítimo, mas com a advertência de que será reprimido o uso abusivo dessas armas ou o emprego de outras menos legítimas. Como em todo combate ou jogo, há regras preestabelecidas a serem observadas. (...) O Código de Processo Civil brasileiro, que se mostra particularmente empenhado em cultuar a ética no processo, traz normas explícitas quanto aos limites da combatividade permitida e impõe severas sanções à deslealdade (DINAMARCO, 2003, p.259).
Assim, para que o combate jurisdicional seja justo é crucial que aos litigantes seja exigido o dever de lealdade processual, razão pela qual a legislação processual veda determinados comportamentos das partes, conforme será explanado no tópico a seguir.
Segundo ensinamento doutrinário:
Conforme o art. 5º do Novo CPC, aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se segundo a boa-fé. Além disso, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º do CPC/2015). O pedido formulado pela parte na demanda deve ser certo e interpretado conforme o conjunto da postulação e a boa-fé (art. 322 do CPC/2015). Como consequência, a decisão judicial também passa a ser interpretada partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé (art. 489, § 3º, do CPC/2015). Esses preceitos ampliaram um tratamento que era tímido no CPC anterior, limitado somente à exigência da boa-fé das partes no seu art. 14. (TARTUCE, 2015).
Nota-se, portanto, que a lealdade processual é um princípio basilar do processo, onde as partes poderão usar de todas as armas disponibilizadas no combate jurisdicional, porém, será vedado o abuso do direito de defesa, devendo ser respeitados os limites legais para tanto.
E o dever de lealdade processual, tal como disposto na legislação processual, não é um dever imposto só as partes litigantes, mas como já dito, a todos que participam do processo, havendo inclusive decisão judicial no sentido de penalização do procurador, consoante ementas abaixo transcritas:
EMENTA: Responsabilidade civil Declaratória de inexistência de relação jurídica Inscrição nos cadastros de inadimplentes Danos morais Litigância de má-fé Justiça gratuita - Revogação. (...) 2. Em situações excepcionais, em que as peculiaridades do conjunto fático-probatório evidenciam a nítida fraude processual, em total afronta aos deveres de lealdade, probidade e boa-fé, e à função social da advocacia, mostrase cabível a condenação do advogado nas penas previstas no artigo 18 do Código de Processo Civil. 3. Quando totalmente desnecessária a apuração de danos por meio de processo autônomo, a condenação nas penas por litigância de má-fé deve ser nos mesmo autos em que praticada. Inteligência do artigo 32 da Lei n.º 8.906/94, à luz dos princípios da celeridade e da efetividade. (TJ/SP, APL 544491920118260002 SP 0054449-19.2011.8.26.0002, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Itamar Gaino, D.J. 12/11/2012).
APELAÇÃO AÇÃO DE COBRANÇA DESPESAS CONDOMINIAIS ILEGITIMIDADE DE PARTE Não caracterização Instrumento particular de compra e venda acostado pelo condomínio que evidencia a posse pelo réu Requerido que, na tentativa de enganar este Tribunal, em sede de apelação, falseou a verdade dos fatos, afirmando que o próprio condomínio demonstrou que a responsabilidade pela dívida seria de terceiros, procedendo de modo temerário Evidente litigância de má-fé Violação a boa-fé e lealdade processual Multa de 1% sobre o valor da causa (Art. 18 do CPC) CERCEAMENTO DE DEFESA Inexistência Requerido que sequer acostou documentos aos autos e, ainda, deixou de se manifestar quando instado sobre as provas que pretendia produzir DEVER DE INDENIZAR Ausência de controvérsia Reconhecimento da dívida em contestação Irresignação apenas no tocante aos juros moratórios Fixação com fulcro em expressa previsão da Convenção de Condomínio Negado provimento ao recurso, com observação. (TJ/SP, APL 1631822120078260002 SP 0163182-21.2007.8.26.0002, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Hugo Crepaldi, D.J. 14/11/2012).
4 A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Primeiramente, oportuno transcrever o conceito de má-fé, segundo Moacyr Amaral dos Santos, invocando Couture, que aduz:
A expressão má-fé se opõe à boa-fé, ambas constituindo uma avaliação ética do comportamento humano. Mas, enquanto esta se presume, aquela deve ser caracterizada, senão provada. Má-fé no processo, na definição de Couture, consiste na qualificação jurídica da conduta, legalmente sancionada, daquele que atua em juízo convencido de não ter razão, com ânimo de prejudicar o adversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício do seu direito. Na má-fé há como substrato a intenção de prejudicar alguém, o qual no processo civil, geralmente é o outro litigante. (SANTOS, 2011)
O Código de Processo Civil, ao tratar sobre a responsabilidade das partes por dano processual, prevê sanções para aquele que litigar de má-fé, in verbis:
Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Quanto às sanções, prevê a condenação do litigante de má-fé ao pagamento de multa e indenização à parte contrária, conforme dispositivos abaixo transcritos:
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
§ 1o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 3o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.
Verifica-se que a litigância de má-fé nada mais é que o descumprimento das partes quanto aos deveres processuais, já explanados, resultando em procrastinação do feito (em casos de resistência injustificada ao andamento do processo, provocação de incidentes e interposição de recursos meramente protelatórios) e, por vezes, em risco de decisões injustas, elevando o Juiz a erro (nos casos de alteração da verdade dos fatos, processos com propósitos de conseguir objetivo ilegal, proceder de modo temerário e deduzir defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso).
Porém, conforme já dito, embora a legislação vede o comportamento do litigante de má-fé e prevê sanções punitivas para tal ato, é patente nas decisões de primeiro grau e nos tribunais superiores, decisões que negam o pedido de condenação ao litigante de má-fé, fundamentadas no princípio do contraditório e da ampla defesa.
No entanto, conforme já explanado, o direito de ação e ampla defesa, este último em específico no processo civil, objeto do presente estudo, guarda limitações em seu exercício, não podendo extrapolar os deveres processuais impostos às partes e seus procuradores.
Ao utilizar os meios de defesa, a parte deve agir com lealdade processual sob pena de caracterizar a má-fé processual (litigância de má-fé).
Oportuno transcrever o ensinamento do mestre Rui Stoco, in verbis:
A novel alteração possui virtude e defeito. Virtude de dar ao julgador instrumento eficaz para coibir os abusos, as chicanas e a fraude processual, impondo, desde logo, e sem delongas a reprimenda necessária, de modo a colocar o procedimento de volta aos trilhos, na consideração de que a litigância de má-fé ofende mais o Estado-Juiz e a dignidade da justiça do que a outra parte litigante. Contudo, constitui nódoa, que se converte em vício ou grave defeito, permitir que se aplique uma pena – seja de que natureza for – sem assegurar o direito de defesa. Mais do que defeito, tal previsão ofende o due process of law e afronta os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. (STOCO, 2002).
Ainda, segundo ensina o doutrinador Luiz Guilherme Marinoni:
De outra parte, cabe ao juiz “participante” reprimir a litigância de má-fé, pois, prevalecendo no processo o interesse público na realização da justiça, é dever do juiz evitar que procedimentos escusos tentem alterar o seu destino ou protelar o seu fim. Como é sabido, a evolução da teoria do abuso do direito no processo sofreu um golpe com o advento do liberalismo. Prova disso é ter o Código de Processo Civil francês, de 24 de abril de 1806, deixado de reproduzir as disposições sobre o abuso do direito que o precederam. Atualmente, os arts. 5.º e 77 consagram a necessidade de boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva no processo, dando expressamente ao juiz o poder de condenar, de ofício, o litigante de má-fé. O juiz que não penaliza aquele que mal procede está, na realidade, penalizando aquele que bem procede, o que não só faz desmoronar a ideia de que o processo é um instrumento ético como, também, coloca em risco o princípio da isonomia no tratamento das partes. (MARINONI, 2016)
4.1 Jurisprudências negativas acerca da litigância de má-fé
Conforme ementas abaixo colacionadas, é possível verificar a resistência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em reconhecer a litigância de má-fé em casos de defesas e recursos infundadas, vejamos:
EMENTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Inocorrência - O fato de não ter a apelante se manifestado em contestação de maneira favorável às alegações do apelado não implica na prática de nenhum dos atos atentatórios à justiça, descritos no rol do art. 17 do Código de Processo Civil - Apelante que apenas impugnou as alegações e os documentos juntados pelo apelado, não agindo com deslealdade processual - Mero exercício do direito de defesa. RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral -Caracterização - Inexigibilidade de débito indevidamente levado a registro em cadastro de proteção ao crédito - Não demonstrada existência de relação jurídica entre as partes que desse azo ao apontamento - Verba indenizatória devida, porém reduzida de R$ 7.132,40 para R$ 5.000,00 -Recurso parcialmente provido para este fim. (TJ/SP, APL 9000034412009826 SP 9000034-41.2009.8.26.0506, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mendes Pereira, DJ 24/04/2012).
RECURSO - CONTRARRAZÕES ARRENDAMENTO MERCANTIL DECLARATÓRIA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADA. Embora irrelevante os argumentos deduzidos pelo apelante, tal circunstância não resulta em litigância de má-fé. Ausência de dolo ou ilicitude. Não tipificação dos artigos 14 a 18 do Código de Processo Civil. Prejudicial repelida. (TJ/SP, APL 138002920098260019 SP 0013800-29.2009.8.26.0019, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Marcondes D´Angelo, DJ 09/05/2012).
4.2 Jurisprudências positivas acerca da litigância de má-fé
Porém, algumas câmaras tem reconhecido a caracterização da litigância de má-fé em casos de manejo de embargos de declaração infundados e alteração da verdade dos fatos em defesas, vejamos:
Embargos de declaração Omissão Prequestionamento Litigância de má-fé. 1. Inexiste omissão quando o julgado contém análise das questões devolvidas, em absoluta consonância com os elementos dos autos e com as normas legais e a jurisprudência, incidentes na espécie. 2. A exigência de prequestionamento deve ser cumprida pela parte e não pelo julgador, que não precisa apontar expressamente se restaram ou não violados dispositivos legais ou constitucionais apresentados para sustentar a argumentação do recurso. 3. Reputa-se litigante de má-fé, incorrendo nas penas do artigo 18 do Código de Processo Civil, aquele que deduz defesa contra fato incontroverso, interpondo recurso destituído de fundamentação razoável e com intuito meramente protelatório. Embargos rejeitados, com aplicação de multa e indenização por litigância de má-fé. (TJ/SP, ED 1619806420118260100 SP 0161980-64.2011.8.26.0100, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Itamar Gaino, DJ 21/08/2012).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1. Na hipótese, a agravante alegou, na origem, a ocorrência de prescrição da pretensão executória, mas se embasa em Execução de Sentença diversa da que se refere o presente processo para apontar o decurso do prazo prescricional. 2. Configura-se, no caso, inequívoca e injustificada alteração da realidade fática, o que implica litigância de má-fé, nos termos do art. 17, II, do CPC, mantendo-se, pois, a multa de 1% sobre o valor da causa. 3. Agravo Regimental não provido. (STJ, AgRg no Ag 1421548 AL 2001/0123980-0, T2 – Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, DJ 26/06/2012).
Constata-se, portanto, que não há uma pacificação no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto à aplicação da litigância de má-fé nos casos previstos nos dispositivos legais já explanados, havendo decisões diversas em casos análogos.
Possível verificar ainda, pelo inteiro teor dos acórdãos em que foi negado o pedido de litigância de má-fé, que se tratam de decisões subjetivas, onde presume-se que a parte, embora tenha apresentado recurso ou defesa infundadas, supostamente, não agiram de má-fé.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Feitas estas considerações, possível concluir que o abuso do direito de defesa fere princípios basilares do ordenamento jurídico processual, em especial o princípio constitucional da duração razoável do processo e do princípio infraconstitucional da lealdade processual.
Evidentemente que a aceitação de defesas e recursos infundados, por mera aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa, sem observância de seus respectivos limites legais, gera o assoberbamento do Poder Judiciário aumentando, ainda, a possibilidade de decisões “injustas”, o que prejudica diretamente a segurança jurídica das decisões judicias.
O comportamento das partes, contrários aos deveres legais estampados na legislação processual, devem ser punidos de modo a garantir a aplicação da mais lídima justiça nas decisões judicial e em observância ao princípio do devido processo legal.
É corriqueiro se deparar, nas demandas judiciais, com interposições de recursos infundados, com defesas extensas, genéricas e infundadas, com inúmeros pedidos de produção de provas com intuito meramente protelatórios, o que resultam no retardamento da decisão judicial e no comprometimento da própria decisão, posto que determinados comportamentos desleais, por vezes, podem elevar o Juiz à erro.
A resistência do Poder Judiciário em aplicar as sanções cabíveis em litígios em que se veiculam defesas ou recurso sem qualquer fundamento plausível, com intuito meramente protelatório, coloca em dúvida a sua credibilidade.
É cediço que o ordenamento jurídico é uno, devendo suas normas serem interpretadas de forma sistemática, como parte de um todo, e não isoladamente, para que não haja conflito dentro de um único ordenamento.
Logo, não se pode acatar como absoluto o direito de defesa, sem observar os limites legais para o exercício de tal direito, sendo de rigor a repudia e punição dos comportamentos que caracterizam o abuso do direito de defesa e litigância de má-fé.
6 Referências
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, 26ª edição, revista e atualizada, Malheiros – 2010.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3.ed., v.2. Malheiros, 2003, p.259.
MARINONI, Luiz Guilherme, Novo curso de processo civil (livro eletrônico): teoria do processo civil, volume 1 / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 318/319.
STOCO, Rui. Abuso de direito e má-fé processual, RT, 2002, p. 68 e 151.
TARTUCE, Flávio. O Novo CPC e o Direito Civil: São Paulo: Editora Método. 2015 p. 38.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm